Nómadas: Excluídos da Inclusão
Caroline Dyer
Em 1990, a índia subscreveu a Declaração de Jomtien, comprometendo-se a garantir Educação para Todos (EPT), através de uma estratégia da Educação Básica. A Educação Básica foi definida como ” educação que responde às necessidades básicas de aprendizagem…abrange a intervenção educativa das crianças das primeiras idades, a educação primária e, igualmente, a educação de jovens e adultos compreendendo a literacia, os conhecimentos de ordem geral e a capacitação em actividades de vida diária.” Para se atingir a EPT utiliza-se o sistema formal de escolaridade, a sua contrapartida não formal e programas de literacia para adultos. A data actualmente estabelecida como meta é o ano de 2015. Este artigo baseia-se num trabalho de campo que teve a duração aproximada de 3 anos e foi realizado no Oeste da índia, junto dum grupo nómada – os Rabaris de Kachcha. Embora o exemplo dos nómadas possa parecer um caso extremo, as questões educativas que levanta podem colocar-se em paralelo com os problemas de grupos migrantes e de minorias étnicas existentes no Reino Unido e em outros países com populações multiculturais.
Os programas da EPT pressupõem que para ter acesso às escolas ou às classes de alfabetização o aluno deve viver em permanência num determinado local e ter possibilidade de assistir regularmente às aulas nesse mesmo local. Isto é impossível para alguns grupos da população indiana que, por força do seu estilo de vida, se vêm obrigados a uma constante movimentação. Estes grupos incluem pessoas que se deslocam de aldeia em aldeia reparando instrumentos agrícolas; grupos tribais que se movem periodicamente à procura de trabalho remunerado nas cidades; e a pastores nómadas de diferentes comunidades que se encontram dispersos por toda a índia.
A não ser que tenha lugar uma reforma das medidas educativas do Ensino Básico, os grupos nómadas e migrantes arriscam-se a ficar excluídos dos compromisso da índia em relação à EPT.
Durante séculos, os nómadas ocuparam um sector económico específico, dada a sua capacidade em explorar recursos naturais marginais. Hoje estão a ser escorraçados das suas pastagens tradicionais, através duma estratégia moderna de desenvolvimento que geralmente conduz a consequências altamente negativas para os utilizadores tradicionais das terras. Um dos problemas em se considerar os nómadas no contexto global dos problemas de desenvolvimento da índia, consiste no facto de ninguém saber ao certo quantos são, uma vez que, normalmente não se encontram na aldeia no momento do recenseamento. “Não contabilizadas” não deveria significar que não “não contem” no contexto da EPT.
Os Rabaris criam carneiros e cabras e são obrigados a emigrar todos os anos à procura de pastagens e de água para sustentar os animais. As experiências da emigração mostraram aos pais Rabari que o facto de não saberem ler nem escrever lhes pode criar uma variedade de problemas. Consideram que ler e escrever são competências essenciais para a sua vida. Mas, uma vez que eles próprios não puderam frequentar as escolas ou as classes de alfabetização da aldeia, não têm possibilidade de ensinar estas competências aos seus filhos.
As escolas são importantes para os Rabaris ainda por outro tipo de razões. A economia nómada, baseada na criação de animais está rapidamente a desaparecer. Isto leva a uma crescente pressão no sentido de encontrarem ocupações alternativas. Já hoje muitas famílias abandonaram este tipo de economia e fixaram-se nas suas aldeias. Para estes adultos não alfabetizados que não têm qualificações formais para o emprego, é extremamente difícil encontrarem um novo trabalho. Os pais não querem que os seus filhos sejam confrontados com estes mesmos problemas. Reconhecem que a educação escolar permitirá aos seus filhos competir com sucesso com outros grupos na procura de emprego, numa economia mais vasta. Os pais vêem a qualificação numa educação formal como “uma medida de segurança” para a próxima geração. Querem também que os seus filhos aprendam a falar aquilo que chamam a “linguagem do poder”, a linguagem da confiança e da familiaridade com os caminhos do mundo moderno, a qual se aprende através do currículo da escola formal.
Os pais Rabari querem os benefícios da inclusão através da escolarização dos seus filhos. No entanto, têm uma clara consciência do impacto negativo que a escola pode ter no tecido cultural do seu povo. Procuram uma educação que respeite os seus valores morais e religiosos, assim como as suas ocupações tradicionais e a sua forma de vida nómada. As escolas formais da aldeia não correspondem à sua visão da educação. Os valores dos grupos étnicos minoritários ficam diminuídos pelas mensagens dos livros escolares. Para além disso, há muito poucos professores da etnia Rabani que possam servir como modelos para as crianças e para os jovens da sua comunidade. O currículo urbano não reflecte as realidades do mundo rural, e muito menos do mundo nómada. Para os Rabaris há uma solução para este dilema educativo: a escola residencial. Enquanto os pais e algumas crianças prosseguem os seu estilo de vida nómada, pelo menos uma criança em cada família (normalmente um filho) pode aceder a uma escola residencial, voltando para a família durante as férias . Deste modo pode continuar a aprendizagem da sua ocupação tradicional, ao mesmo tempo que adquire uma educação formal.
Há uma única escola residencial par servir todo este grupo étnico. Foi fundada por um Rabari. Só tem 200 lugares, sendo financiada em dois terços pelas mensalidades e um terço pelo governo. Sem que tenha lugar um apoio suplementar, não será possível criar outras escolas, uma vez que os Rabaris não são considerados como “Tribo Catalogada” – uma designação que lhes permitiria receber apoio para actividades de desenvolvimento, incluindo escolas residenciais.
Grupos tais como os Rabaris pretendem ser incluídos, como cidadãos Indianos, por um estado que garantisse o seu direito constitucional a uma educação de qualidade. “A educação” não devia representar um custo que lhes retira meios de subsistência, nem devia destruir o seu modo de vida. O seu direito à educação não tem sido respeitado pelo actuais modelos de educação primária que estão a ser implementados sob os auspícios da EPT.
EPT é um conceito que deve ser constantemente reavaliado e criticado. A sua expansão, tendo em vista atingir as metas nas datas fixadas, corre o risco de negligenciar os valores fundamentais da inclusão, da qualidade, da equidade e da igualdade que são os que tornam a EPT um conceito digno das lutas para o alcançar.
Este projecto de investigação foi fundado pelo “UK’s Economic and Social Research Council” e foi realizado por Archana Choksi e Caroline Dyer. Archana e Caroline podem ser contactadas na “School of Education, Universiuty of Manchester.
archana_choksi@hotmail.com
caroline.dyer@man.ac.uk.
Escreveram o seguinte artigo: “Education is like wearing glasses: nomads views of literacy and empowerment” Pode ler-se no “Journal of educational development” vo. 18 (5), 1998. Ou através do EENET.