Casamento precoce e educação
Ingrid Lewis
“Tradicionalmente, as pessoas na minha aldeia valorizam mais, em relação às raparigas, o casamento do que a educação. Eu deixei de ir à escola porque me casei aos 14 anos” Rapariga, Mpika, Zâmbia
Estamos ainda muito longe de atingir o objectivo estipulado na “Educação para Todos” relativamente à igualdade de educação para raparigas e rapazes. Uma das barreiras que dificulta atingir este objectivo consiste no casamento precoce, ou no casamento de crianças em idade escolar. Neste artigo, vamos focar a ligação entre o acesso e a participação na educação dos rapazes e das raparigas e o casamento precoce.
O casamento realiza-se por razoes de ordem económica, cultural, religiosa, social e emocional. Em muitos países, especialmente nas comunidades pobres migrantes ou deslocadas, é comum o casamento ter lugar em idades precoces. Normalmente são as raparigas que se casam cedo (mas tal pode também acontecer com os rapazes). Esta desigualdade de género, presente em todos os aspectos da sociedade, incluindo a educação, faz com que as raparigas fiquem, com frequência, privadas de competências práticas e de poder de negociação. Consequentemente, enquanto os rapazes têm uma palavra a dizer sobre quando e com quem querem casar e o que irão fazer depois de casarem, muitas raparigas não têm a oportunidade de tomar estas decisões.
O casamento precoce pode ser uma violação dos direitos básicos das crianças – violação à infância, à educação, à saúde e à sua capacidade de tomarem decisões sobre a sua vida.
Os efeitos físicos, emocionais e sociais do casamento precoce são variados, mas um dos mais frequentes é o abandono escolar, por parte das raparigas.
Embora o casamento não implique necessariamente que a educação não prossiga, as atitudes dos pais, escolas e esposas acarretam, em muitas sociedades, esta consequência.
Os maridos de mulheres jovens são muitas vezes homens mais velhos, que esperam que as suas mulheres sigam a tradição, fiquem em casa e se ocupem da lida doméstica e dos cuidados com as crianças. Uma jovem esposa geralmente não consegue contrariar os desejos do marido e a família deste pode recusar-se em aplicar os seus parcos recursos na continuação dos estudos da nora.
Frequentemente, as escolas adoptam como política recusar a admissão de raparigas grávidas ou com bebés. Pensam, talvez, que isto iria constituir um mau exemplo para as outras alunas ou que os outros pais ficariam zangados de ver a escola recusar as crenças tradicionais. Mesmo se permitem às alunas que voltem à escola, organizam o ambiente escolar – regras, horários e condições físicas – de tal modo, que lhes torna difícil conciliarem os seus deveres de mãe com a frequência escolar. As ameaças e os abusos por parte dos professores, alunos e outros pais podem contribuir para reduzir a auto-confiança e a segurança destas alunas, forçando-as a abandonarem a escola.
“os nosso colegas estão sempre a rir-se de nós…dizendo que somos mães e que o nosso lugar não é a escola mas a casas)”
As pessoas estão sempre a lembra-nos o passado e isso faz-nos pensar em deixar outra vez (a escola) “
Os professores e os rapazes tiram proveito da situação e estão sempre a propor-nos fazer amor connosco…”
Alunas, Mpika, Zâmbia
Quando as alunas abandonam a escola para se casar, dá-se um efeito de choque na comunidade como um todo, com implicações nas gerações futuras. As raparigas que casam cedo, têm, inevitavelmente, filhos cedo e têm muitos filhos, uma vez que os seu conhecimento sobre os métodos de contracepção é limitado e o seu poder de negociação para os utilizar é fraco. A experiência diz-nos que os filhos de mães muito jovens e privadas de educação têm menos hipóteses de ter eles próprios um bom começo na sua escolaridade, ter sucesso educativo ou de continuar a estudar para além da escolaridade mínima. As suas filhas irão ficar particularmente sujeitas ao abandono escolar, ao casamento precoce e a recomeçar o mesmo ciclo. O casamento precoce pode, consequentemente, significar uma barreira significativa para as comunidades que procuram aumentar os níveis de escolaridade e quebrar o ciclo da pobreza.
Não são unicamente as raparigas que vêm as suas oportunidades de vida reduzidas por causa do casamento precoce. No Nepal, um estudo demonstrou que os rapazes também se casam cedo por pressão da família e opor razões económicas. Alguns conseguem prosseguir na escola, mas alguns são forçados a abandoná-la, de modo a que possam ganhar dinheiro para pagar os custos da cerimónia do casamento e a suportar os encargos com a mulher e os filhos.
Nirajan casou aos 11 anos, depois da sua irmã se ter casado e saído de casa. Não havia ninguém para fazer a lida da casa e ele teve de arranjar uma mulher que pudesse ajudar a família.
“O meu pai disse que me mandaria para a escola só até ao fim deste ano (13 anos). Os meus pais estão a ficar velhos. Preciso de lavrar a terra…Era bom que eu tivesse possibilidade de continuar a estudar” Nirajan, Nepal
Documento elaborado pelo “Save the Children, UK”, sobre práticas prejudiciais, “Rights of Passgae” (a sair brevemente)
Como podem actuar?
- procurem as leis existentes sobre igualdade entre os géneros e casamento precoce
- envolvam-se em actividades locais de consciencialização sobre este problema
- façam lobby para uma reforma da política sobre crianças casadas/grávidas na escola
- Investiguem a situação/atendimento das crianças casadas na sua escola/comunidade
- ajudem a vossa escola a desenvolver um plano de actuação para incluir estas crianças
- visitem as alunas afectadas por este problema e as suas famílias de modo a debater com elas o retorno à escola.
Eis algumas sugestões baseadas nas experiências de professores em Mpika, Zâmbia, que se revelaram eficazes em permitir a continuação dos estudos de raparigas grávidas e jovens mães.
- Poderão ser feitas alterações nos horários?
- Se as raparigas faltam à escola ou estão demasiado ocupadas para poderem ir à escola durante o dia, será possível organizar classes de recuperação ou classes no fim da tarde ou trabalho de casa extra?
- Poderão ser organizados pares de alunas em que estas sejam ajudadas por uma colega?
- Poderá ser organizado um serviço de apoio e poderão ser dadas aulas a todos os alunos sobre actividades de vida diária, saúde no processo reprodutivo e direitos humanos?
- Poderão ser melhoradas as condições de higiene e melhoradas a condições de privacidade?
- Poderão ser modificadas as atitudes dos professores e dos alunos, de modo a que, em vez de ameaças ou abuso em relação às alunas casadas ou grávidas se promova o seu apoio?
- Poderão ser os pais e os maridos informados sobre os benefícios da permanência na escola para todos?
- Poderá a família introduzir pequenas mudanças no funcionamento doméstico ou nos cuidados com o bebé?
- Poderá haver algum apoio financeiro para a família, de modo a que possa suportar os encargos com a educação da jovem mulher/ mãe?
- Poderá ser prestado aconselhamento aos jovens pais para que evitem mais filhos até à conclusão da escolaridade?
O Governo da Zâmbia encoraja o escolaridade das raparigas, promove, junto das escolas e das comunidades, a consciência sobre as questões relacionadas com o género e a igualdade de oportunidades educativas e determina que as raparigas casadas e grávidas possam ser readmitidas na escola.
O casamento precoce é uma questão global que pode violar os direitos dos rapazes e das raparigas nesta geração e na próxima. Afecta a educação e o bem-estar de milhões de crianças e tem um efeito fatal no combate à pobreza e no desenvolvimento das comunidades. Dado o estreito laço entre o casamento precoce e a educação, todos os que estamos envolvidos no sector educativo estamos bem colocados para procurar conhecer melhor as causas e o impacto destes casamentos. Poderemos encontrar meios de reduzir a sua incidência e permitir que os que casaram muito cedo possam beneficiar duma educação continuada – isto para o benefício da sociedade como um todo.
“Investir nas oportunidades educativas para as raparigas é talvez um dos investimentos mais compensadores nos países em desenvolvimento”. (ILO)
Todas a citações que têm origem na Zâmbia têm a sua fonte na próxima publicação do EENET que irá conter relatos de professores sobre inclusão: “Investigando a Nossa Experiência “.